“Bom dia e Cia.” e o merchandising

É com pesar que tivemos a notícia de que Ministério Público de São Paulo arquivou a Representação protocolada pelo Projeto Criança e Consumo em junho de 2009, referente ao merchandising que ocorre durante o programa “Bom Dia e Cia.”, veiculado pelo SBT.

O programa é basicamente estruturado para vender produtos, que são continuamente anunciados por meio de sorteios e provas conduzidos pelos apresentadores-mirins. Crianças de todas as idades –  inclusive as muito pequenas, seduzidas pela possibilidade de terem os brinquedos – participam do programa por telefone, na expectativa de ganharem os bens anunciados – que em geral são bastante desejados pelos pequenos.

O merchandising não é textualmente proibido pela legislação do País, mas decorre de interpretação do princípio geral que deve orientar toda a atividade publicitária, art. 36 do Código de Defesa do Consumidor (CDC): o princípio da identificação da mensagem publicitária. É direito do consumidor saber que está diante de uma publicidade, até para que possa resistir criticamente aos apelos comerciais que lhe chegam pelas diversas mídias – fazer valer este princípio tem sido tarefa cada vez mais complexa, com a disseminação das mídias sociais e as barreiras entre conteúdo e publicidade ficando cada vez mais imprecisas.

A partir disso, tem-se que, para muitos autores, a colocação de produtos ou marcas em meio ao conteúdo da programação televisiva seria ilícita, contrariando o disposto no artigo 36 do CDC, ou seja, mesmo sem uma previsão expressa sobre merchandising já é possível com a legislação hoje em vigor considerá-lo prática comercial ilegal e violadora dos direitos básicos do consumidor. Há inclusive quem defenda que estas inserções de produtos deveriam vir acompanhadas por mensagens escritas que indicassem tratar-se de informes publicitários. O Projeto Criança e Consumo partilha deste entendimento e defende que o consumidor precisa ser informado de que está diante de uma publicidade, até para que possa de fato exercer seu direito de escolha livremente.

Considerando-se que as crianças – de acordo com pesquisas conduzidas no mundo todo e pareceres de especialistas em desenvolvimento infantil – têm dificuldade em diferenciar conteúdo de publicidade e quando o fazem, não compreendem plena e adequadamente a complexidade das relações de consumo, podemos concluir que a denúncia do “Bom Dia e Cia.” é uma das mais graves ofensas ao direito consumeirista e à proteção à infância verificadas pelo Projeto.

Ora, se os pequenos não compreendem adequadamente o tradicional comercial, que é publicidade explícita, que dirá o merchandising? Se dirigir publicidade às crianças já se configura como atividade ilícita, que contraria a normativa consumeirista e as regras de proteção à infância, porque a realização de uma publicidade camuflada, disfarçada de programação televisiva, também não seria ilegal?