Nesta segunda-feira, 18 de abril, o jornal Valor Econômico divulgou um caderno especial sobre autorregulamentação em diversos setores econômicos, inclusive no âmbito da atividade publicitária. Esta é mais uma oportunidade de aprofundar um debate importante para a economia e toda a população brasileira.
O Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana, é reconhecido por apoiar iniciativas dos Poderes Executivo e Legislativo que criam regras claras e limites para a comunicação mercadológica dirigida ao público infantil, considerado hipervulnerável por não compreender plenamente as complexas relações de consumo e a própria publicidade.
Embora considere o Código de Ética do Conar (Conselho de Autorregulamentação Publicitária) especialmente importante para a solução de conflitos de concorrência, bem como no sentido de estabelecer modelos corporativos de responsabilidade socioambiental, o Projeto Criança e Consumo acredita que essa autorregulamentação não é suficiente para a defesa da sociedade em temas de interesses difusos ou coletivos.
Nessa discussão, destaca-se a Resolução nº 24 da Anvisa, publicada em 2010 e que se encontra suspensa por decisão da Justiça Federal — decisão que vale apenas para os associados da ABIA (Associação Brasileira da Indústria Alimentícia), representantes de grande parte das empresas mais relevantes do setor alimentício. A proposta da Agência é obrigar que a publicidade de alimentos com alto teor de açúcar, gorduras e sódio e de bebidas de baixo valor nutricional seja veiculada com alertas informativos sobre a quantidade de tais substâncias e sobre o risco que seu consumo habitual e excessivo gera a saúde. A ideia, única, aliás, é que o consumidor tenha acesso a informações sobre o produto anunciado.
Amplamente discutida com setores privados e organizações da sociedade civil, a Resolução nº 24/2010 foi fruto de um processo democrático, com a abertura de uma consulta pública da Anvisa em 2006. Ficaram de fora assuntos de extrema relevância, como a proibição de venda de brinquedos com alimentos não saudáveis e merchandising em escolas. Mesmo atenuada, a iniciativa da Anvisa representa um avanço importantíssimo no combate à obesidade no país.
Hoje o Brasil já contabiliza 15% da população infantil obesa e, portanto, vulnerável às doenças crônicas não transmissíveis, como problemas cardiovasculares e de pressão alta, que são decorrentes do excesso de peso.
Em 2009, 24 empresas da indústria alimentícia firmaram um acordo de autorregulamentação perante à ABIA e à ABA (Associação Brasileira dos Anunciantes),por meio do qual se comprometeram a seguir regras relacionadas à comunicação mercadológica de alimentos voltada ao público infantil. Entre as regras deste acordo estava não mais anunciar produtos pouco nutritivos para crianças de até 12 anos de idade.
Cada companhia deveria detalhar as informações nutricionais do seu produto até o fim daquele ano. Mas um levantamento realizado pelo Criança e Consumo no início de 2010 identificou que apenas 7 das 24 empresas publicaram o detalhamento das informações nutricionais dos seus produtos.
Fato que incontestavelmente demonstra que uma autorregulamentação sem nenhum tipo de fiscalização por parte do Poder Público não funciona quando a questão é a defesa de interesses da coletividade.
O Projeto Criança e Consumo reconhece a legitimidade e importância da autorregulamentação, mas acredita ser imprescindível a existência de regras provenientes dos Poderes Executivo e Legislativo para que a defesa dos interesses e mesmo direitos da sociedade sejam de fato preservados.
Não há dúvidas de que é muito importante o estabelecimento de um diálogo verdadeiro e comprometido entre governo e empresas, mas também igualmente importante é a diferenciação entre as formas de defesa dos interesses estritamente privados daqueles coletivos, que necessitam de um Poder Público ativo e fiscalizador, a fim de que se busquem soluções reais para problemas que afetam a vida de milhões de brasileiros.