O recente parecer publicado pelo Conar relativo à denúncia da campanha publicitária do McDonald’s para a comercialização de lanches acompanhados por brinquedos com temáticas da animação “Rio” mostra que os conselheiros deste suposto Conselho de Ética desconhecem a realidade brasileira e são preconceituosos.
O desconhecimento da realidade nacional fica claro quando o órgão, na voz do conselheiro que assume a relatoria do caso, diz que a questão da obesidade é menos importante, no cenário nacional, do que a desnutrição. Ora, não é de hoje que pesquisas e estudos oficiais comprovam que o Brasil vive, há tempos, um processo de transição nutricional. Sem desmerecer a pauta da fome e da desnutrição, é preciso compreender que atualmente ela se complexificou, ou seja, a ela se agregaram outras preocupações, sobretudo a obesidade e o sobrepeso, que se relacionam com as maiores causas de mortes evitáveis: segundo o Ministério da Saúde, 80% dos óbitos evitáveis são causados por doenças crônicas não transmissíveis, dentre as quais se inserem o sobrepeso e a obesidade e outras relacionadas. Além disso, é possível que uma pessoa esteja com sobrepeso ou obesidade e mal-nutrida, com carência de certos nutrientes.
Vale lembrar que este não é um cenário exclusivo do Brasil. Diversos países vêm passando por isso, em particular aqueles com perfil semelhante ao nosso, como México e Índia, por exemplo. São países que ainda têm boa parcela de sua dieta baseada em alimentos in natura e preparados em casa. Por isso, e levando-se em conta que possuem um grande contingente populacional, ainda apresentam amplo campo de expansão para o consumo de alimentos ultraprocessados. Quer dizer, vale a pena ao mercado investir em publicidade destes alimentos nestes locais porque a população está aberta a substituir a sua alimentação tradicional por estes alimentos, em geral de consumo imediato que contam justamente com este apelo de conveniência e praticidade a seu favor.
A confusão se instaura definitivamente quando o conselheiro do Conar dá a entender que o consumo regular, habitual e excessivo desses produtos não seria um problema. Vale aqui frisar que não se trata de demonizar nenhum produto alimentício ou mesmo a sua publicidade, mas sim de esclarecer que certos alimentos, quando consumidos em excesso e com habitualidade, contribuem para o desencadeamento de diversas doenças. Vale lembrar que a publicidade destes produtos foca-se exageradamente nas suas supostas qualidades nutricionais, os chamados “claims” e na alegria e diversão propiciada pelo seu consumo. Mas em verdade, é preciso que fique claro que não é porque um determinado produto possui “ferro”, “cálcio” ou “é rico em vitaminas” que ele é necessariamente saudável, nutritivo ou saboroso.
Aliás, sobre o sabor dos alimentos, é importante lembrar que os produtos ultraprocessados contam, em geral, com realçadores de sabor, que tendem a nos induzir a um consumo exagerado. Em contrapartida, os alimentos in natura, preparados em casa ou mesmo vindos direto da feira para nosso prato, embora saborosos, raramente nos levam a excessos, o que nos ajuda a regular os sinais de fome e saciedade em nosso organismo. E por falar em alimentos frescos, frutas e verduras, quem foi que disse que alimentos verdes – ou “esverdeados” – são desprovidos de sabor? Que tal ao invés de taxativamente classificar certos alimentos como nojentos, verdegolentos ou ruins, tentarmos ressignificá-los na nossa alimentação cotidiana?
Em tempo: recomenda-se a todos provar um pouco de linhaça, feijão azuki e de bardana, que, sem contra-indicações, são deliciosos! E que tal experimentar tudo isso em uma refeição em família ou com amigos, permeada de conversas e de carinho?